quarta-feira, 13 de março de 2024

REFORMA TRIBUTÁRIA IMPACTA A AVIAÇÃO BRASILEIRA

 


Cenário da aviação brasileira pode se agravar com a Reforma Tributária

Por Yvon Gaillard (*)

A indústria da aviação no Brasil vive uma crise complexa e multifacetada nos últimos anos, marcada por diversos desafios interligados que impactaram significativamente as empresas aéreas, os passageiros e a economia como um todo. Para compreender a magnitude da crise, é crucial analisar seus principais fatores e as consequências geradas. Tudo começou a se agravar com o surgimento da covid-19, o que gerou um impacto global sem precedentes no setor aéreo, com queda drástica na demanda por voos.

Com o restabelecimento da demanda depois da pandemia, há fatores que não se resolveram e contribuíram para a crise, como o aumento vertiginoso do preço do querosene de aviação (QAV). O QAV, principal custo operacional das companhias aéreas, teve um aumento expressivo, impulsionado por fatores como a alta do petróleo no mercado internacional, a desvalorização do real frente ao dólar e a política de preços da Petrobras - que preferiu buscar maiores benefícios para o preço da gasolina e do diesel, deixando a QAV de lado nos últimos anos.

Outros pontos, como, desafios estruturais do setor aéreo brasileiro, com congestionamentos frequentes em grandes aeroportos, especialmente em horários de pico, falta de investimentos em modernização e expansão da capacidade aeroportuária também afetaram o segmento. Além disso, o Brasil é o país com maior número de judicialização na área no mundo, o que afugenta investidores estrangeiros de aportarem no mercado brasileiro. A crise da oferta de novas aeronaves e de mão de obra qualificada também piora o já crítico cenário atual, pois há demanda no mercado, mas há uma clara limitação de oferta.

Hoje o segmento aéreo brasileiro, em relação a outras áreas, possui uma tributação menor. Como referência o transporte aéreo de passageiros é isento de ICMS e tão pouco se aplica ISS na operação. Portanto, na operação de transporte aéreo de passageiros somente há a incidência de impostos federais e também não há necessidade de emissão de documento fiscal eletrônico, o que diminui a carga e de fato descomplica um pouco a operação fiscal das companhias aéreas.

Porém, a reforma tributária promulgada no final do ano passado trará mudanças significativas para a aviação civil no Brasil. A partir de agora, o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) substituirá o ISS e o ICMS, enquanto o CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) substituirá o PIS e a COFINS. Como a reforma não prevê isenções ou reduções de base de cálculo para o setor, ela tende a gerar aumento de custos, impactando ainda mais um segmento já fragilizado.

A Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR) se manifestou contra a proposta de reforma tributária, alertando para seus potenciais impactos negativos. Apesar das críticas, às demandas não foram atendidas no texto final da reforma. Outra mudança importante é a provável obrigatoriedade de emissão de documentos fiscais eletrônicos. Essa medida se faz necessária para que as empresas se adaptem ao novo modelo de arrecadação do IBS.

Em suma, a reforma tributária trará desafios e incertezas para a aviação civil no Brasil. O aumento de custos e a necessidade de adaptação ao novo sistema de tributação podem afetar a competitividade e o desenvolvimento da categoria. O acompanhamento atento das mudanças e a busca por soluções inovadoras serão fundamentais para que as empresas aéreas minimizem os impactos negativos e se mantenham competitivas no mercado.

Portanto, a recuperação da divisão aérea nacional dependerá da implementação de medidas eficazes para enfrentar os desafios mencionados. O diálogo entre o governo, as companhias aéreas, os órgãos regulatórios e os demais stakeholders será fundamental para encontrar soluções conjuntas e construir um futuro sustentável para a aviação nacional, caso contrário cada vez mais este campo estará mais longe da população brasileira.

 

(*) é cofundador e CEO da Dootax, primeira plataforma de automação fiscal do Brasil. Economista formado pela FAAP e com MBA pela Business School São Paulo, liderou projetos em empresas como Gol Linhas Aéreas e Thomson Reuters.

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Os caminhos das novas tecnologias

 


A popularização da realidade mista: novas possibilidades e experiências imersivas

Por André Assis (*)

Combinando elementos da realidade virtual e aumentada, a realidade mista proporciona uma experiência única, pois permite interações mais fluidas e envolventes. Através do uso de dispositivos como os óculos de realidade mista, é possível visualizar e interagir com objetos e ambientes virtuais que se integram perfeitamente ao ambiente físico ao nosso redor.

O mercado global de realidade mista tem a previsão de crescer com uma taxa anual de 41,8% até 2028, de acordo com relatório divulgado pela Mordor Intelligence em 2022. Um exemplo recente da popularização da realidade mista no mercado é o lançamento dos óculos Apple Vision Pro. Esse dispositivo, desenvolvido pela gigante de tecnologia, permite que os usuários tenham um novo nível de interatividade com a mescla de realidade virtual e física. A Microsoft também está na corrida com o lançamento do HoloLens 2. Por mais que os dispositivos tenham um preço relativamente alto para a maioria da população - o valor do primeiro está na casa dos US 3,5 mil e do segundo, US 7,7 mil -, esses movimentos mostram o quanto as gigantes de tecnologia estão de olho em uma nova forma de interação e relacionamento das pessoas com o mundo.

 Em relação à aplicação, como a realidade mista funciona?

A popularização da realidade mista está ajudando no desenvolvimento de diversos setores da economia, além de permitir a criação de ambientes virtuais para que os usuários pratiquem suas habilidades e tomem decisões em um local seguro e controlado. Listo abaixo algumas das principais aplicações que estão sendo vistas e desenvolvidas no mercado:

 

1. Educação

Nessa área, a realidade mista está sendo usada para criar experiências imersivas e interativas para potencializar o processo de ensino e aprendizagem. Os alunos podem explorar, por exemplo, ambientes que reproduzem cenários reais para vivenciar experiências práticas e aplicar os conhecimentos adquiridos de forma mais efetiva.

2. Saúde

Essa área pode se apropriar dos benefícios da realidade mista para aprimorar o treinamento de profissionais e melhorar o atendimento aos pacientes. Com os óculos, os médicos e enfermeiros podem simular procedimentos, além de visualizar informações importantes em tempo real, facilitando o diagnóstico e o tratamento de doenças.

3. Indústria

Os processos de produção e a melhoria da eficiência operacional também são resultados da utilização da realidade mista. Nessa área, os trabalhadores podem visualizar informações importantes sobre máquinas e equipamentos em tempo real, facilitando a manutenção e a solução de problemas.

4. Entretenimento

Para proporcionar uma sensação de total imersão e diversão, a realidade mista pode ser usada para que os usuários participem de jogos e experiências interativas que mesclam elementos do mundo real com o virtual.

 5. Comunicação

Para o mercado de comunicação, essa tecnologia permite permite que as pessoas tenham uma sensação de presença e interação de forma mais realista, da mesma forma que no entretenimento. Aqui, porém, as marcas podem se apropriar de elementos que destaquem ainda mais as mensagens-chave institucionais e aspectos visuais para potencializar a lembrança de marca.

 

E qual é o futuro da realidade mista?

Essa tecnologia está apenas no início de sua jornada e podemos esperar avanços significativos nos próximos anos. Com o desenvolvimento de outras tecnologias como a inteligência artificial, a internet das coisas (IoT) e a rede 5G, a realidade mista tem ainda mais o potencial para transformar a forma como nos comunicamos e interagimos com o mundo ao nosso redor.

O metaverso, nesse cenário, tem a chance de se popularizar a partir da criação de um espaço virtual compartilhado onde os usuários têm a chance de interagir e criar experiências de forma colaborativa.

Em suma, podemos esperar um futuro repleto de possibilidades e experiências inovadoras.

(*) é formado em Engenharia da Computação, especialista em Gestão Empresarial, Chief Innovation Officer do Grupo TV1 e CEO da XLab.  

Ilustração: Olhar Digital.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Orientação da CVM muda de patamar as SAFs



O que muda para a Sociedade Anônima de Futebol (SAF) com o parecer de orientação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM)?

Tathiane Viggiano e Ademir de Carvalho (*) 

A Lei n. 14.193/2021 instituiu a Sociedade Anônima de Futebol (SAF), que consiste em uma espécie de sociedade anônima organizada sob a estrutura legal da Lei das Sociedades por Ações. A legislação, além de instituir a SAF, moderniza a gestão dos clubes dispondo sobre normas de constituição, governança, controle e transparência, meios de financiamento da atividade futebolística, tratamento dos passivos das entidades de práticas desportivas, além de um regime tributário específico.

Todavia, ela não aborda temas gerais já regulados pela Lei das Sociedades por Ações ou por regulamentos da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), de modo que existia uma dúvida acerca da competência regulatória da CVM sobre as operações das SAF, bem como à possibilidade desse tipo de Sociedade emitir outros valores mobiliários além das debêntures-Fut previstos no artigo 26 da Lei.

No entanto, em agosto passado, a CVM publicou um Parecer de Orientação esclarecendo que a mera aplicação subsidiária da Lei das Sociedades por Ações às SAF não as submete automaticamente à competência da CVM. Nesse sentido, “somente estarão sujeitas à regulação e à supervisão do mercado de capitais realizada pela CVM, as SAF que: (i) requeiram seu registro como companhias abertas; ou (ii) acessem o mercado de capitais a fim de financiar, no todo ou em parte, as suas atividades, por meio das diversas modalidades de captação disponíveis nesse mercado”.

Ou seja, o objetivo da CVM foi de orientar os investidores e participantes do mercado sobre a utilização de instrumentos viabilizadores do acesso ao mercado de capitais pelas SAF transmitindo a visão correta da CVM de como a Lei e sua regulamentação podem ser integradas harmonicamente.

Nesse sentido, ao conciliar e sincronizar disposições da Lei das SAF e dos regulamentos da própria CVM dentro do ordenamento jurídico brasileiro, o Parecer de Orientação se torna uma importante diretriz tanto para os clubes que pretendem se estruturar como SAF, quanto para potenciais investidores, mitigando eventuais dúvidas dos agentes envolvidos, oferecendo, assim, maior segurança nas operações.

Há diversos pontos bem interessantes e importantes abordados neste documento com destaques a dispositivos da Lei n. 6.404/1976 e de normativos da CVM que se aplicariam às SAF. Dentre os temas levantados estão: a formação do capital da SAF; emissão de ações; aspectos de controle e governança; acesso ao mercado de capitais (por meio da abertura de IPO, emissão de debêntures e securitização); a possibilidade de emissão de outros valores mobiliários previstos à Sociedade Anônima; opções de investimentos por meio de Fundo de Investimentos em Ações; Fundos de Investimento em Participações (FIP); Fundos de Investimento Imobiliários (FII) e; Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC).

Diante disso, é importante destacar que a CVM vai poder analisar também, as disposições previstas no Estatuto Social da SAF e, sempre que verificar violação de qualquer natureza à legislação específica e/ou à regulação do mercado de capitais, exigir a respectiva reforma estatutária, como condição para realização da oferta pública ou para concessão de registro de emissor.

Percebe-se, portanto, que ao aderir às regras estabelecidas pela CVM, as SAF ficam aptas a captar recursos no mercado de capitais mediante o aprimoramento dos mecanismos de transparência e governança corporativa, aspectos cruciais para promover a confiança dos investidores e a sustentabilidade financeira.

Assim, o que se observa é que o Parecer de Orientação n. 41 da CVM representa um avanço significativo para as SAF, oferecendo orientações claras e abrangentes sobre como essas entidades podem acessar o mercado de capitais, mas sem o intuito de esgotar os debates em relação ao tema, ainda incipiente e em fase de construção e consolidação.

(* ) Advogados da banca Aroeira Salles.

sábado, 25 de novembro de 2023

Autonomia dos Estados & Tempestades Tributárias

 


Tempestades tributárias à vista  

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão (*)

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… Tenta-se simplificar aqui o entendimento do que seria essa Reforma Tributária, mas o ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, já se adiantou. Prenuncia aí na frente “tempestades tributárias” – próximas da atual guerra fiscal, com outros vieses – que poderão contribuir para agravar o modelo de gestão política e fiscal nas unidades federativas…

O Governo está enrolado com a proposta do Orçamento para 2024, com votação, no Congresso Nacional, prevista para até 31 de dezembro. Trafega-se por duas opções: zerar este desequilíbrio, que vem se acumulando há dez anos tendendo a piorar; ou enfrentar um déficit primário estimado em R$ 168 bilhões, que alimenta o endividamento do Estado já circulando nas proximidades do trilhão de reais. Lula não abre mão de gastar. Ele quer este 1% do PIB para bancar as eleições municipais. Ao contrário, o Ministério da Fazenda esforça-se para equilibrar as contas públicas – arrecadação versus gastos do Governo – e acabar com a inflexão nas contas nacionais, que vem se arrastando por dez anos, tendendo a piorar, e arruinar a confiança do Brasil no exterior. Já há, por aqui, empresas que fecharam as portas. O exemplo da Argentina assusta.

O Presidente não consegue, entretanto, descolar o Orçamento Fiscal do processo político eleitoral, este um consumidor contumaz dos recursos do Tesouro, e que terá R$ 37, 4 bilhões em emendas parlamentares individuais impositivas em 2024, sem contar os recursos para os partidos e para o Tribunal realizar as eleições. Diante desse quadro, o Produto Interno (R$ 1,7 trilhão) parece perder o fôlego. Teve uma queda, no último trimestre, de 0,6%, segundo o Banco Central, contrariamente à expectativa gerada no campo político, de um crescimento de 2,0%.

Para contornar a ameaça de uma gastança incontrolável do Governo num ano de eleições municipais e evitar um déficit fiscal maior que o PIB de vários países, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, esforça-se por aumentar a arrecadação tributária. Para isso, projetou um arcabouço fiscal, com o qual espera a aprovação prévia, ainda este ano, no Congresso, da regulamentação das apostas esportivas (novos ônus para os apostadores), a taxação tributária dos fundos das grandes fortunas, inclusive os aplicações de brasileiros no exterior, a Reforma Tributária e outras medidas de impactos setoriais.

Esta última, representada por um projeto de Emenda Constitucional (PEC 45-2019) já foi aprovada na Câmara dos Deputados mas, ao tramitar pelo Senado Federal, tornou-se alvo de 429 emendas, metade das quais, se aprovadas, provocariam uma elevação da alíquota geral unificadora dos tributos, chamada de IVA (Imposto sobre Valores Agregados) a menina dos olhos do Partido do Governo. O relator, Eduardo Braga (PMDB-AM) teria agregado apenas dez. Por essa razão, inclusive, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) retorna à Câmara para o reexame das mudanças no Senado, podendo agregar novidades.

 Essa tão cultuada reforma tributária, a chave do Orçamento, tem o mérito de eliminar a aplicação cumulativa de impostos (um sobre o outro) ao longo da cadeia geradora de bens e serviços consumidos pela população. Mesmo que o relator tenha desdenhado das emendas onerosas, dentro do próprio governo, não se está conseguindo livrar a Reforma dos ônus ao Tesouro, com as alíquotas diferenciadas para setores produtivos, isenções para entidades sociais, prioridades e estímulos fiscais para empresas, sobretudo as carimbadas como campeãs. A boa notícia é que o Governo pretende estimular a retomada da indústria têxtil (algodão), um segmento que perdeu força com as aberturas de mercado em nome da alta competitividade. Já se prevê ainda que o limite referencial de 27 % incidente sobre a renda pode chegar a 30%.

Curioso, ou melhor, temerário, é que já se projeta uma revisão do Orçamento, se aprovado no Congresso, para o final do primeiro trimestre de 2024, com as alíquotas do IR devendo passar também por um reposicionamento nas contribuições dos ricos. Com essa distração imaginária de justiça social, esconde-se o esvaziamento da autonomia arrecadatória de estados e municípios, por meio do IVA e seus derivados (CBS -arrecadação federal) e o IBS (arrecadação nos estados e municípios), ao incidir sobre os produtos e serviços, em qualquer ramo de atividade, transformando-se em um, suposto, único tributo, capaz – propaga-se – de dar transparência aos cálculos dos impostos que incidem sobre eles. Para amenizar os possíveis efeitos fiscais sobre as contas dos estados e municípios, o Governo propõe a criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional, com controle similar ao do Fundo de Participação dos Estados e Municípios, beneficiando, sobretudo, os estados do Norte e do Nordeste, mas que pressões internas querem estendê-las para o Centro Oeste. Não são poucas as exceções e privilégios que permeiam o projeto da Reforma Tributária.

Tenta-se simplificar aqui o entendimento do que seria essa Reforma Tributária, mas o ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, já se adiantou. Prenuncia aí na frente “tempestades tributárias” – próximas da atual guerra fiscal, com outros vieses – que poderão contribuir para agravar o modelo de gestão política e fiscal nas unidades federativas. O Governo Federal parece estar montando um arcabouço, diria, político, para assegurar a hegemonia, centralizada no Executivo Federal. Talvez só Lula entenda o processo. O Orçamento aprovado no Congresso será revisto já em março ou abril pelo Planalto, e com déficit ou o contingenciamento (congelamento) de recursos para determinados setores. O ministro da Fazenda admitiu essa possibilidade.

O certo é que o Governo vai concentrar a arrecadação e o controle dos tributos no Executivo Federal, que os redistribuirá, supostamente, com parcimônia e equidade. Por outro lado, pode, de fato, corrigir não apenas uma injustiça histórica tributária, que é a cumulatividade, e também esvaziar a arrogância política de algumas lideranças regionais. O Governo quer incorporar tudo ao PAC (Programa de Ação Concentrada), com previsões para gastos desnaturados, de R$ 1,7 trilhão em quatro anos (um mandato presidencial). Nem as emendas parlamentares impositivas estão isentas dessa intenção velada.

De fato, podem resultar na correção de alguns vícios históricos, mas o Poder Federativo republicano (autonomia dos estados) tende a se diluir a médio e a longo prazo, na medida em que a atual reforma tributária vai sendo incorporada como política pública. Por força do poder local, surge o perigo de cada alguma liderança tentar se reinventar regionalmente.

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(*) É Jornalista, professor, doutor em História Cultural, ex-guarda florestal do Parque Nacional de Brasília Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018.

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

A Digitalização no campo

 


DA SEMENTE À TECNOLOGIA: A REVOLUÇÃO DIGITAL NO CAMP

Matheus Ganem (*)

Em meio ao cenário econômico do Brasil, o Ministério da Agricultura e Pecuária revelou um importante ranking: os 100 municípios mais ricos do agronegócio nacional, com base em dados das lavouras. E a pergunta é: o que existe por trás desses números?

As cidades listadas, estrategicamente posicionadas em terras férteis e com acesso a infraestrutura, não apenas exemplificam a força do setor agrícola, mas também sua inovação contínua. Elas também são o reflexo de uma indústria que, ao longo dos anos, tem investido fortemente em tecnologia, pesquisa e práticas sustentáveis, solidificando o Brasil como um dos maiores produtores agrícolas do mundo. Dentro desse cenário, a digitalização das fazendas emerge como um fator crucial para a evolução e avanço do agro nas cidades mais prósperas.

A performance elevada frequentemente caminha lado a lado com a digitalização. Fazendas modernizadas têm revelado avanços significativos em produtividade, gestão e decisões estratégicas - uma verdadeira revolução digital. Propriedades que adotaram essa abordagem, além da tecnologia aplicada diretamente no campo, observaram melhorias significativas não só na produtividade, mas também na gestão e tomada de decisões. Assim, tornam-se capazes de coletar, analisar e agir com base em dados em tempo real, otimizando seus processos e garantindo um retorno sobre o investimento.

A digitalização das fazendas tem emergido não apenas como uma tendência, mas como uma verdadeira revolução para o avanço e evolução do agro no Brasil. Em um cenário globalizado e competitivo, a inovação tecnológica no campo transcende a mera aquisição de maquinários avançados. Ela se estende a uma gestão mais estratégica, eficiente e integrada das atividades rurais. Na análise feita pelo Ministério da Agricultura, as cidades com melhor desempenho têm elevado muito os níveis de tecnologia e de produtividade. Esse avanço tecnológico também vem sendo evidenciado pelo crescimento e consolidação de empresas no setor.

Todas essas localidades citadas desempenham um papel fundamental na produção de algodão, milho e soja no Brasil, e os números não mentem: existem recordes não somente em produção, mas também em valores reais. Estamos falando de uma produção total de 263,8 milhões de toneladas, abrangendo uma área de 90,4 milhões de hectares.

E o questionamento que fica é: como um dos setores mais importantes da economia e com potencial imenso de crescimento, o que estamos fazendo para alavancá-lo ainda mais? Para mim, a resposta está realmente na tecnologia. Acredito que a crescente demanda por soluções digitais no campo e a integração de programas para a gestão diária das fazendas com ferramentas de monitoramento refletem o compromisso em equipar os agricultores com o melhor desse mundo. Hoje, isso tudo é um grande aliado na poderosa missão de garantir a sustentabilidade e competitividade do setor no Brasil e é preciso entender que a digitalização do ecossistema agro não é uma mera tendência, mas sim uma necessidade imperativa.

(*) É CEO e cofundador da Seedz, startup brasileira.  Formado em Engenharia Ambiental pela FUMEC, com experiência no mercado ambiental e agrícola e é também cofundador da Ecobonuz, empresa de programa de fidelidade para quem utiliza transporte público.

Ilustração: ESSS. 

 

 

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

A prioritária agenda da produtividade

 


Fernando Valente Pimentel ( *)

O Brasil precisa promover com urgência ações eficazes para agregar ganhos expressivos de produtividade à economia, pois, nas últimas três décadas, avançou muito pouco nesse fator fundamental para a competitividade, crescimento mais robusto e desenvolvimento. Distintos estudos nos posicionam nos últimos lugares nessa área, na qual tivemos queda de 4,5% somente em 2022, segundo divulgou recentemente a Fundação Getúlio Vargas (FGV).  É importante termos consciência e diagnosticarmos com precisão o problema, para buscar soluções adequadas. No site Observatório da Produtividade “Regis Bonelli” do FGV IBRE, consta que o desempenho da indústria nacional nesse quesito caiu 0,2% ao ano entre 1995 e 2021, passando de R 38,8 por hora trabalhada para R 36,6. É preciso reagir já, pois se trata de melhorar a eficiência da economia. Um país com alta produtividade é capaz de produzir mais bens e serviços com menos recursos, propiciando aumento do consumo sem gerar inflação de demanda, mais investimentos e exportações, incrementando a geração de renda e melhorando sua distribuição. Os reflexos são diretos no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), no qual, segundo o mais recente relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), continuamos em má posição, ocupando o 87º lugar entre 191 países.  O grande paradoxo entre essa classificação e nosso porte de nona maior economia explica-se em grande parte pela baixa produtividade. Por isso, precisamos melhorar muito nesse ponto, pois isso nos proporcionaria numerosas vantagens, a começar pelo crescimento econômico sustentado e sustentável, com maior produção de bens e serviços e aumento substantivo do PIB.  Outro ganho seria a melhoria do padrão de vida, com o aumento da massa salarial e da renda per capita, sem a necessidade de majoração dos bens e serviços. Ou seja, os trabalhadores passariam a ganhar mais dinheiro sem ter de pagar mais pelos itens consumidos. Também daríamos um salto na competividade internacional. Com maior produtividade, produziríamos mais, com menor preço, ganhando maior capacidade de concorrer no mercado global. Isso significaria mais exportações, ingresso maior de divisas e atração de investimentos produtivos. Há, ainda, o ganho ambiental, pois, produzindo mais com menos, economizamos energia, recursos naturais e água, preservando a natureza e reduzindo as emissões de gases de efeito estufa. Para conquistarmos o necessário avanço de produtividade, é pertinente conhecermos bem quais são os fatores que a afetam. O primeiro deles é o capital, cujo grau de disponibilidade determina a capacidade de investimentos na produção, máquinas e equipamentos avançados. Recursos humanos qualificados e bem-treinados também são essenciais, assim como a tecnologia e inovação. A combinação desses requisitos e o seu nível de desenvolvimento determinam a relação entre volume de produção e do montante de recursos nela empregados. Para aumentar a produtividade, há uma série de políticas públicas a serem executadas com eficácia. Uma das prioridades é o investimento do governo em educação, infraestrutura e pesquisa e desenvolvimento, para que tenhamos novas gerações de cientistas e mão de obra altamente preparados e qualificados, inclusive com o olhar já voltado à digitalização da economia e ao advento da Indústria 4.0. O setor público também pode – e deve – promover a adoção de novas tecnologias por empresas e consumidores, bem como incentivar a inovação por meio de políticas fiscais e regulatórias. Os desafios são grandes, pois o ganho de produtividade exige medidas em diferentes áreas. Porém, se avançarmos simultaneamente em todos os fatores determinantes para seu fomento, ingressaremos num círculo virtuoso de progresso, contribuindo muito para ascendermos ao patamar dos países de renda alta. Eis uma agenda prioritária para os brasileiros.

(*)  é o diretor-superintendente e presidente emérito da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).

segunda-feira, 2 de outubro de 2023

SETOR DE SERVIÇOS DEVE SER MUITO IMPACTADO COM A REFORMA TRIBUTÁRIA



Os impactos da Reforma Tributária no setor de serviços

Nicholas Coppi*

No texto da reforma tributária, aprovado recentemente pela Câmara dos Deputados, os impactos para o setor de serviços serão significativos. A depender da área de atuação, alguns prestadores de serviço poderão usufruir o benefício de alíquotas reduzidas. A grande maioria, porém, deve se ressentir com o peso maior de impostos.

O setor de serviços, que representa 70% do PIB brasileiro, é o que mais emprega no País. Atualmente, incidem sobre os serviços três tipos de tributos: PIS, Cofins (federais) e ISS (municipal). Os dois tributos federais podem ser recolhidos de forma cumulativa, com alíquota de 3,65% e sem direito a apuração de crédito decorrente das aquisições, ou não cumulativa, com alíquota de 9,25% e direito a créditos em algumas aquisições. O ISS, por sua vez, é definido por cada município e as alíquotas variam entre 2% e 5%.

No texto da reforma tributária, o ponto central é a implementação de um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) Dual. Neste sistema, PIS, Cofins e IPI serão substituídos pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços); ISS e ICMS, pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).

No estudo apresentado pelo Ministério da Fazenda, no dia 8 de agosto, há dois cenários possíveis. Na possibilidade mais factível, as alíquotas poderão variar de 20,73% (6,95% de CBS e 13,78% de IBS) a 25,45% (8,53% de CBS e 16,92% de IBS). No cenário considerado mais conservador, de 22,02% (7,38% de CBS e 14,64% de IBS) a 27% (9,05% de CBS e 17,95% de IBS).

Neste panorama exposto pelo Ministério da Fazenda, é possível vislumbrar um aumento importante da carga tributária, uma vez que os prestadores de serviço não enquadrados no Simples Nacional recolhem uma alíquota máxima de tributos sobre o consumo de 14,25%, considerando-se a alíquota de 9,25% (PIS e Cofins) na apuração pelo lucro real, e a alíquota máxima de 5% do ISS.

O impacto é ainda mais relevante para as sociedades uniprofissionais submetidas ao regime especial do ISS e que apuram os tributos no lucro presumido. Vale dizer que não há previsão de regime especial no texto da PEC nº 45/2019, que vai implementar a reforma tributária. Neste grupo estão advogados, contadores e engenheiros, que recolhem PIS e Cofins a uma alíquota conjunta de 3,65%, além do ISS fixo calculado por profissional habilitado.

O que é necessário observar em relação às sociedades uniprofissionais? Mesmo com a não cumulatividade plena, que vai permitir a utilização de créditos decorrentes da totalidade das despesas com a atividade, esses prestadores de serviço, de modo geral, não possuem despesas relevantes para compensar os débitos relativos aos tributos que serão majorados.

Em toda essa discussão, é importante destacar que algumas atividades foram beneficiadas no texto aprovado pela Câmara dos Deputados. Há a obrigatoriedade de regime diferenciado, com redução de 60% nas alíquotas, para serviços de saúde, educação, transporte público e outros. Significa dizer que médicos, enfermeiros e escolas vão sentir impactos menores com as mudanças na tributação.

Para micro e pequenas empresas prestadoras de serviço há tendência de manutenção da carga tributária, tendo em vista que o texto da PEC prevê a manutenção da opção pelo Simples Nacional. Também é possível que esse grupo recolha separadamente a CBS e o IBS pela sistemática da não cumulatividade. Isso significa pagar os novos tributos apurando créditos oriundos de suas aquisições, porém recolhendo o IRPJ, a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e a Contribuição Previdenciária Patronal na sistemática unificada.

O período de transição para a unificação dos tributos se estende de 2026 a 2032. Em 2033, tributos como PIS, ISS e outros serão definitivamente extintos. Embora com mudanças graduais, o impacto do aumento tributário é uma realidade negativa para grande parte dos prestadores de serviços, principalmente para os que não tiverem acesso a uma assessoria jurídica e contábil especializada.

*Nicholas Coppi é advogado, especialista (IBET) e mestre em Direito Tributário (PUC-SP). Professor de Programas de Pós-Graduação em Direito Tributário.

Ilustração: O Tempo.