Lagartas e Borboletas
Rodrigo Casagrande (*)
Em 2013, passei pela
experiência de um doutorado sanduíche em Montreal, no Canadá. Uma cidade
adorável, com um povo visivelmente feliz. Dentre as experiências que vivenciei
em Montreal jamais esquecerei do meu último dia por lá. Depois de seis meses
realizando minhas pesquisas na Biblioteca da HEC Montreal – École de Gestion e
desbravando o que a cidade tinha a oferecer, atividades estas que eram
conciliadas com uma vida de ¨dono de casa¨, contratei uma empresa para fazer
uma limpeza geral na residência que iria entregar ao locador. O valor acordado
foram 140 dólares canadenses.
Na última noite em
casa, resolvi me dar ao luxo de, após o jantar, não lavar as louças, afinal, no
dia seguinte, chegaria a empresa que contratei para realizar a ¨geral¨ no
apartamento. Eis que chegando o pessoal da limpeza (três pessoas) passei por
uma das maiores vergonhas da minha vida. Fui imediatamente questionado do
porquê que a cozinha continha prato, copo e talheres sujos. A indagação foi:
por que eu acharia que alguém deveria lavar o prato em que eu havia comido?
¨Caiu a ficha¨: estava vivenciando, de uma forma vergonhosa, uma colisão de
morais.
A formação de nossas
morais vem, num primeiro momento, de nossa socialização primária. Ou seja, do
convívio com nossos pais, irmãos, amigos, colegas de escola. Em seguida,
passamos por uma socialização secundária, quando nos deparamos com as práticas
organizacionais, as quais também balizarão e até mesmo modificarão nossas
morais estabelecidas até então. Moral, desta forma, tem a ver com prática.
Para regular esta
questão, considerando que a organização vai gerar o convívio de pessoas com as
mais diversas morais, existe a ética. A ética tem a ver com o discurso e
estabelece o que se espera em termos de comportamentos nas teias interna e
externa da organização. Ética, desta forma, tem a ver com teoria. Diversos
especialistas consideram que as empresas devem ter um propósito inspirador, e
também realizar o partilhamento dos seus ganhos, em contraponto à visão
tecnocrata centrada na maximização de lucros aos acionistas.
Obviamente que o
lucro deve ser buscado pelas empresas, é o que lhes assegura a sobrevivência.
Porém, uma empresa é muito mais que uma instituição que gera lucro. Considere a
necessidade de alimentação para um ser humano, que não vive para comer, mas
come para sobreviver e, a partir daí, construir uma vida rica em vários
aspectos. O mesmo vale para as organizações conscientes, que existem para gerar
valor não só para os acionistas, mas também para seus funcionários, clientes,
fornecedores, comunidade, sociedade e planeta.
Dentre vários
aspectos que ajudam a modelar uma organização consciente, ocupa papel de
protagonismo o seu quadro de líderes. Bons líderes têm o poder de transformar
lagartas em borboletas. A lagarta pouco faz mais do que comer, o que parece ser
seu único propósito. Algumas comem tanto que multiplicam até cem vezes o seu
tamanho original. Em algum momento, porém, inicia-se o processo da metamorfose
e emerge uma criatura de beleza encantadora, que desempenha uma função valiosa
na natureza por meio de seu papel de polinização e, portanto, na produção de
alimentos para outros seres.
Podemos ter
organizações que parecem lagartas, com empregados com mentalidades que buscam
sugar tudo o que puder sem devolver nada em troca, ou organizações que criam
uma atmosfera positiva para converter lagartas em borboletas, seres que criam
valor para os outros e ajudam a tornar o mundo mais bonito. Para tanto, é
fundamental reunir bons líderes, os quais conseguem exercer um prisma positivo
naqueles que com eles trabalham, elevando pessoas a patamares mais elevados em
termos técnicos e humanos.
Para que essa postura
organizacional aflore é preciso um alinhamento entre o discurso (ética) e a
moral (práticas). Do contrário, não se obtém a legitimidade, que é a explicação
e justificação das práticas organizacionais geradoras do endosso da sociedade
para o seu funcionamento.
(*) é professor de pós-graduação do ISAE/FGV,
de Curitiba (PR), na disciplina de Liderança e Desenvolvimento de Equipes. Além
disso, o profissional é sócio-diretor
da Armatta Desenvolvimento Humano e Organizacional.
Ilustração: evangelhoradical.webnode.com.br
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