Urgente:
mudança de rumo das cidades
Carlos Sandrini
(*)
As principais cidades do
mundo começaram a ser desenhadas há séculos, e elas não estão preparadas para o
que acontecerá a partir dos próximos anos: a quase extinção do comércio popular
de rua; o abandono dos antigos edifícios comerciais; a fuga das indústrias; as
mudanças na relação de emprego; a robotização; e a inteligência artificial.
Cabe ao poder público adaptar as cidades às novas necessidades, vocações e
desejos. Tudo isso sob os preceitos da sustentabilidade.
Em meados do século
passado, iniciou-se a revitalização do centro das cidades portuárias como
Rotterdam, Baltimore, Boston, Buenos Aires, Sidney e Barcelona. Foram
intervenções bem-sucedidas que reverteram a degradação da área central destas
cidades. Algo que, de forma mais modesta, está sendo feito no Rio de Janeiro.
Porém, se no século passado a degradação foi maior nas cidades portuárias,
agora o problema será de todas as médias e grandes cidades. As novas
tecnologias e as mudanças de comportamento social irão, em menos de 10 anos,
alterar o comércio, a indústria, o ensino, a relação de emprego, o trânsito, a
construção civil e, consequentemente, o perfil urbano.
Já estão sobrando espaços
no centro das cidades. É a hora de, a exemplo de Seul, na Coréia do Sul, fazer
aflorar os rios e riachos que foram canalizados; desadensar eliminando
edificações desnecessárias, criando percursos pelo interior das quadras,
deixando o centro respirar; evitar a “musealização” do patrimônio histórico,
dando vida aos mais importantes exemplares da arquitetura.
Nos próximos anos,
veremos uma diminuição natural do trânsito nos grandes centros urbanos. Isso
ocorrerá, principalmente, pela diminuição drástica da frota de automóveis,
motivada pela mudança da cultura do carro próprio com a adoção do
compartilhamento, por alternativas privadas e inteligentes de otimização de
transporte e pelas soluções que evitam o deslocamento das pessoas. Veremos o
crescimento substancial de pessoas que resolvem suas necessidades online,
comprando, estudando e trabalhando de casa. Além disso, até 2025 a indústria
quase não terá trabalhadores. As fábricas, por exemplo, estarão tão robotizadas
que se distanciarão ainda mais dos centros urbanos. A localização irá
privilegiar o escoamento da produção e não a oferta da mão de obra, como é
hoje.
Mudanças
na construção civil
Obviamente, toda essa
transformação vai refletir em mudanças na construção civil. Os edifícios
comerciais deverão vender oportunidade de gerar negócios e não somente espaço.
Hoje, vemos a diminuição da demanda para os edifícios de salas comerciais. E
não é só pela crise. A crise apenas apressou um comportamento que veio para
ficar. Prédios comerciais, tais como os conhecemos, estão obsoletos. Diversas
variedades de coworkings vocacionais irão substituí-los. A atração estará na
inteligência das instalações, no networking, nos custos, nas soluções
compartilhadas e, principalmente, na maior perspectiva de sucesso para o
usuário.
Os prédios residenciais
deverão atender aos novos hábitos de consumo e relacionamento. Os projetos
deverão viabilizar a prestação de novos serviços nas dependências do
condomínio, sejam nos apartamentos ou nas áreas comuns. Um sistema de
compartilhamento de veículos pelos condôminos será mais valorizado que o número
de vagas por apartamento. Assim como offices nas áreas comuns, para que os
moradores possam receber pessoas para assuntos de trabalho. A drástica redução
dos empregos formais fará surgir uma gama de profissionais que oferecerá seus
serviços à domicílio, principalmente nas áreas da beleza, saúde, alimentação e
educação
A população das cidades
já optou pela residência vertical. Mas ainda não há oferta idealizada para essa
escolha. O poder público logo será obrigado a se render aos benefícios desta
opção. A tendência no Brasil é de prédios com aproximadamente 65 pavimentos,
altura que só Balneário Camboriú (SC) ousou alcançar. Com este número de
pavimentos, equacionado pelo número de torres e de elevadores independentes, o
número de apartamentos poderá ser suficiente para sustentar um condomínio
inteligente, para todas as classes sociais. Sendo ainda mais indicado para as
classes de menor poder aquisitivo. Cada condomínio destes pode reutilizar a
água, armazenar água da chuva, separar e compactar o lixo, otimizar energia,
compartilhar veículos e serviços e estar conectado à educação, segurança, saúde
e administração pública online. É importante salientar que, independentemente
do tamanho, as edificações deverão sempre ser amigáveis aos pedestres e à escala
humana ao nível do solo.
Democratização
urbana
No Brasil, mais de 84% da
população vive em área urbana. Em todo o mundo, esse índice não para de
crescer. Para o Departamento dos Assuntos Econômicos e Sociais das Nações
Unidas, gerir áreas urbanas é um dos principais desafios do século XXI. Para
evitar a degradação dos centros urbanos, é fundamental que as iniciativas
públicas e privadas comecem a agir agora. Os próximos anos serão de
transformações intensas. Os poderes executivos e legislativos deverão decidir
se essas transformações levarão progresso ou pobreza para suas cidades. As
oportunidades que as novas tecnologias e comportamentos sociais estão trazendo
são muitas. Planejar, legislar e decidir com visão de futuro é a diferença entre
a evolução e o caos urbano.
As cidades cumprem sua
função quando arte, cultura, educação e possibilidades empresariais se combinam
para criar um ambiente sustentável, atraente e gerador de riqueza. Todas as
classes sociais devem estar fisicamente conectadas pelas chamadas ruas
completas, espaços sociais e comerciais prioritários aos pedestres, mas com
vias para o trânsito de bicicletas, transportes coletivos e veículos pessoais.
Espaços onde as pessoas possam tomar um café, ler ou simplesmente ter um
encontro casual ao ar livre. A rua completa é o melhor caminho para levar o
cidadão aos espaços cívicos, como centros culturais, esportivos, parques e,
principalmente, escolas. Essa conexão elimina a segregação, aproxima oferta do
consumo de mão de obra, gera negócios, educa, aumenta a segurança, propicia a
sustentabilidade e faz inserção social. É dar cidadania a todos os habitantes
da cidade.
(*) é arquiteto e
urbanista, fundador e presidente do Centro Europeu (www.centroeuropeu.com.br).
Ilustração: www.latinamerica.uitp.org
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